Proposta busca reforçar o combate ao crime organizado, mas mudanças sugeridas por Derrite levantam dúvidas sobre a autonomia da PF
O Projeto de Lei Antifacção, em análise na Câmara dos Deputados, tem como objetivo criar novas estratégias para enfrentar o crime organizado no país. A proposta foi elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e enviada ao Congresso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após os recentes confrontos entre facções e forças de segurança, como a megaoperação contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, que deixou 121 mortos em outubro.
O texto ganhou destaque não apenas pelo tema sensível da segurança pública, mas também pelas mudanças sugeridas pelo relator do projeto, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que alterou o papel da Polícia Federal (PF) em algumas situações de investigação.
O que é o Projeto Antifacção
O projeto Antifacção é considerado uma das principais apostas do governo federal para enfraquecer o poder das facções criminosas em atuação no Brasil, especialmente aquelas com alcance interestadual e internacional.
O texto prevê mecanismos de cooperação entre forças policiais, medidas de inteligência e novos parâmetros para atuação integrada entre polícias estaduais e a Polícia Federal.
Na prática, o objetivo é permitir respostas mais rápidas e coordenadas em casos de organizações criminosas que se expandem além das fronteiras de um único estado.
Como a Polícia Federal atua hoje
De acordo com a Constituição Federal, a Polícia Federal tem autonomia para abrir investigações quando os crimes:
- envolvem mais de um estado ou têm repercussão internacional;
- ameaçam a segurança nacional ou a ordem pública;
- envolvem tráfico de drogas, contrabando, descaminho ou crimes contra bens e serviços da União;
- exigem repressão uniforme em todo o território nacional.
A PF também é responsável por atividades de fronteira, segurança aeroportuária e marítima, além de proteger o presidente da República e suas autoridades.
Na prática, a corporação atua de forma autônoma, podendo iniciar investigações sem depender da autorização dos estados, embora frequentemente trabalhe em conjunto com Polícias Civis e Militares.
O que o relator, Guilherme Derrite, propôs de mudança
Na primeira versão apresentada por Derrite, o texto previa que as Polícias Civis estaduais seriam responsáveis pela investigação de organizações criminosas e atos classificados como terroristas, enquanto a PF só poderia atuar quando:
- houvesse repercussão interestadual ou internacional;
- existisse risco à segurança nacional;
- o Ministério da Justiça determinasse a atuação conjunta, mediante pedido de um governador.
Essa redação foi criticada por limitar a autonomia da Polícia Federal, que, hoje, pode abrir inquéritos em casos de interesse nacional sem precisar de autorização estadual.
Nova versão: participação da PF com aviso prévio aos estados
Após críticas de membros do governo e da própria PF, Derrite alterou o texto e apresentou uma nova versão nesta segunda-feira (10).
Agora, a Polícia Federal poderá atuar por iniciativa própria, mas deverá comunicar previamente às autoridades estaduais competentes, como as secretarias de segurança e as polícias locais.
A proposta também reforça que a competência das Polícias Civis estaduais será mantida, com o Ministério Público estadual exercendo controle externo.
A atuação da PF, nesse cenário, seria “integrativa”, ou seja, em cooperação com as forças locais, desde que o caso envolva temas de sua competência constitucional.
Por que há divergências
A principal polêmica gira em torno da autonomia da Polícia Federal.
Para integrantes da corporação e especialistas em segurança pública, exigir que a PF avise os estados antes de investigar pode abrir espaço para vazamentos de informações sigilosas e interferências políticas.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, divulgou uma nota afirmando que “não haverá acordo que implique em supressão das atribuições e autonomia da Polícia Federal”.
Já para defensores do texto, a comunicação prévia serviria apenas para melhorar a cooperação entre as forças policiais, evitando ações sobrepostas ou conflitos de competência.
O que acontece agora
Com as alterações apresentadas, o Projeto Antifacção ainda será debatido na Câmara dos Deputados antes de seguir ao Senado Federal.
A expectativa é que o texto receba novas emendas e ajustes de consenso, especialmente nos pontos que envolvem a atuação da PF.
Enquanto isso, o governo e o Congresso seguem tentando equilibrar autonomia policial, eficiência nas investigações e coordenação federativa, três pilares fundamentais para o combate às facções criminosas que desafiam o Estado em várias regiões do país.













