Enquanto o setor agropecuário atinge recordes de produtividade, dados do Censo revelam um esvaziamento do campo e o envelhecimento da população, ameaçando a continuidade dos negócios familiares.
O Brasil enfrenta atualmente um paradoxo econômico e social que desafia o futuro de um de seus principais motores de desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que o agronegócio projeta representar cerca de 29,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 2025 — segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq) —, as zonas rurais do país estão perdendo habitantes e envelhecendo em um ritmo acelerado.
Números recentes do Censo Demográfico 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmam que o êxodo rural se consolidou como uma mudança estrutural profunda. Nos últimos 12 anos, o Brasil registrou uma redução de 4,3 milhões de moradores em áreas rurais. Atualmente, apenas 25,6% milhões de pessoas vivem no campo, o que corresponde a cerca de 12% da população total. Para efeito de comparação, no ano 2000, esse índice era de 18,8%.
O envelhecimento das pequenas cidades
A migração não afeta apenas o número absoluto de habitantes, mas transforma drasticamente o perfil etário das comunidades. O fenômeno é particularmente visível nos municípios com até 5.000 habitantes, onde a economia local costuma ser intrinsecamente ligada à atividade agropecuária.
Nessas localidades, o Censo aponta o maior índice de envelhecimento do país: são 76,2 idosos para cada 100 jovens. A explicação do IBGE para essa distorção demográfica reside na busca por oportunidades. Jovens em idade produtiva e reprodutiva tendem a migrar para grandes centros urbanos atrás de educação superior e melhores ofertas de emprego. O ciclo vicioso resulta em menos nascimentos nas cidades de origem e na escassez de força de trabalho qualificada para dar continuidade às atividades locais.
O desafio da sucessão familiar
O esvaziamento demográfico acende um alerta vermelho para a sucessão familiar nas propriedades rurais. A continuidade dos negócios, vital para a economia nacional, esbarra na falta de herdeiros dispostos ou preparados para assumir a gestão.
Estatísticas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), presentes em um Relatório de Inteligência sobre o tema, ilustram a gravidade da situação:
- 70% dos empreendimentos rurais não sobrevivem à transição para a segunda geração.
- Apenas 5% conseguem chegar à terceira geração sob gestão familiar.
Segundo Maquiel Nardon, coordenadora do curso de Agronomia e Agrotecnologia da UNIASSELVI, a sucessão no campo é um processo que vai muito além da transferência de titularidade da terra. Trata-se da passagem de “ativos intangíveis”, como o conhecimento específico do manejo e as particularidades daquela propriedade.
“O sucesso da próxima geração depende de receber o legado do manejo e entender as características únicas daquela propriedade”, explica a especialista. Ela reforça que garantir uma sucessão saudável é sinônimo de assegurar a manutenção de empregos, a renda da população e a própria capacidade produtiva da zona rural brasileira.
Caminhos para reter jovens no campo
Para reverter esse cenário e evitar a mortalidade das empresas rurais familiares, especialistas defendem uma mudança de mentalidade que una a tradição das gerações anteriores à inovação exigida pelos mais jovens.
Nardon elenca três pilares essenciais para tornar o agronegócio atrativo para as novas gerações e garantir a longevidade dos negócios:
1. Tecnologia como aliada (Agro 4.0)
A modernização é a chave para atrair o jovem. A introdução de ferramentas como drones, softwares de gestão avançada e técnicas de agricultura de precisão transforma a rotina da fazenda. A tecnologia não apenas eleva a produtividade, mas reduz a penosidade física do trabalho, aproximando a realidade do campo dos interesses digitais das novas gerações.
2. Profissionalização da gestão
É necessário transitar do modelo puramente familiar para uma gestão profissionalizada. Isso exige que os sucessores busquem capacitação técnica e acadêmica, passando a enxergar a propriedade não apenas como um estilo de vida, mas como uma empresa competitiva que exige estratégia e eficiência.
3. Diálogo antecipado
A sucessão não pode ser um tabu tratado apenas na ausência do fundador. O ideal é a criação de um plano de sucessão em vida. “O jovem deve começar a participar das decisões gradualmente, mesclando a experiência dos mais velhos com a inovação trazida pelo conhecimento acadêmico”, conclui a coordenadora.
Diante dos dados do Censo e das projeções econômicas, fica evidente que o futuro do agronegócio brasileiro depende não apenas de sementes e máquinas, mas principalmente de gente qualificada e motivada a permanecer no campo.













