Lagoa Santa no mapa das terras raras: Brasil avança em produção estratégica e pode redefinir a liderança global

Lagoa Santa no mapa das terras raras: Brasil avança em produção estratégica e pode redefinir a liderança global

Conhecidos por serem elementos químicos difíceis de extrair e presentes em minérios específicos, os chamados “terras raras” são fundamentais para segmentos de alta tecnologia, energias renováveis e aplicações militares. Hoje, a China concentra quase toda a produção e o processamento global, mantendo uma posição dominante que inquieta governos e empresas.

Nesse cenário, o Brasil desponta como um potencial protagonista, já que possui a segunda maior reserva conhecida desses elementos e começa a tirar do papel projetos que podem reposicionar o país no mercado internacional.

Entraves históricos que limitam a produção nacional

Apesar das grandes reservas, o Brasil ainda não explora todo o potencial desses recursos. Segundo Ysrael Marrero Vera, pesquisador do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM/MCTI), o principal obstáculo envolve o modelo de produção chinês, sustentado por incentivos públicos e preços muito competitivos. Essa combinação cria barreiras de entrada significativas para outros países.

Outro aspecto que atrasa o avanço é o tempo necessário para transformar um projeto mineral em operação efetiva. No Brasil, esse processo pode levar até dez anos, considerando desde a solicitação de pesquisa até a liberação ambiental e o início das atividades. Já em lugares como Canadá e Austrália, esse prazo costuma variar entre três e cinco anos, o que dá vantagem competitiva a esses mercados.

Para Marrero, tensões comerciais recentes e discussões sobre segurança de suprimentos abrem novas janelas de oportunidade para o Brasil ganhar espaço. Mesmo assim, gargalos tecnológicos e falta de infraestrutura industrial seguem como pontos sensíveis.

Desafios técnicos e necessidade de inovação

O processamento das terras raras exige domínio técnico complexo. Elementos como neodímio, térbio, disprósio e praseodímio são extraídos em diferentes proporções e precisam ser separados e refinados com alto grau de pureza. No Brasil, centros de pesquisa como o CETEM e o CDTN já operam miniplantas piloto, testando rotas hidrometalúrgicas que prometem reduzir custos e ampliar a capacidade de produção.

Porém, a transição da fase experimental para operações comerciais em larga escala ainda depende de investimentos robustos e de um ambiente regulatório estável. Marrero observa que, mesmo com conhecimento consolidado, muitas empresas optam por buscar soluções tecnológicas no exterior. A logística também pesa no custo final, já que parte das jazidas está em regiões distantes dos polos industriais.

Lagoa Santa e o avanço da cadeia produtiva

Terras Raras de Imãs em Lagoa Santa MG e Fiemg

Nos últimos anos, iniciativas concretas começaram a mudar esse panorama. Um marco simbólico aconteceu em 2023, com a inauguração da planta piloto de ímãs permanentes em Lagoa Santa (MG). O projeto, desenvolvido por meio de parceria entre a FIEMG e o SENAI, é um passo estratégico para fabricar componentes essenciais à transição energética global, como motores elétricos e turbinas eólicas.

A planta representa a primeira estrutura nacional dedicada à produção de ímãs a partir de terras raras, conectando pesquisa aplicada, desenvolvimento industrial e formação profissional. Para especialistas, essa etapa aproxima o Brasil da produção de itens de maior valor agregado, reduzindo a dependência de fornecedores externos.

Projetos privados ganham força e atraem investimentos

No setor privado, a mineradora Serra Verde, em Minaçu (GO), já iniciou operações comerciais, produzindo concentrado com capacidade anual de 5 mil toneladas. O empreendimento é reconhecido pela Minerals Security Partnership como estratégico para diversificar o fornecimento global, hoje fortemente dependente da China.

Outros projetos começam a ganhar forma. A Aclara Resources prevê o início das operações em Goiás entre 2027 e 2028. A Viridis Mining investe R$ 1,35 bilhão em Poços de Caldas (MG), com expectativa de produção na mesma janela. Já o projeto Caldeira, da australiana Meteoric Resources, tem previsão de operação em 2026 e investimentos superiores a R$ 1,5 bilhão.

Essa movimentação consolida o Brasil como um destino atrativo para empresas que buscam novas fontes de terras raras, especialmente diante de tensões geopolíticas entre Estados Unidos e China.

O caminho rumo à liderança

Dados do Ministério de Minas e Energia indicam que o país tem mais de 1.400 autorizações de pesquisa registradas na Agência Nacional de Mineração. Embora apenas Serra Verde opere em escala comercial, o potencial de expansão é expressivo. Marrero explica que, além da pesquisa geológica e da extração de concentrados, o Brasil precisa avançar no refino e na fabricação de insumos de alta tecnologia.

Essa evolução envolve esforços coordenados entre governo, iniciativa privada e centros de inovação. O edital lançado pelo BNDES e pela Finep em 2023, que reservou até R$ 5 bilhões para projetos estratégicos, é visto como um sinal de que o tema começa a ganhar prioridade.

Para analistas, se houver continuidade dos investimentos e estabilidade nas regras, o Brasil pode figurar entre os três maiores produtores globais. Marrero acredita que o ambiente internacional se mostra cada vez mais favorável a alternativas ao domínio chinês.

“A diversificação virou prioridade para países que dependem dessas matérias-primas. O Brasil tem as reservas e a competência técnica. O desafio é transformar esse potencial em produção consolidada”, afirma.

Lagoa Santa e o papel simbólico na transição energética

A planta piloto de Lagoa Santa simboliza uma nova etapa: sair da posição de fornecedor de matéria-prima bruta para disputar mercados de alta tecnologia. A fabricação de ímãs permanentes conecta o país à indústria de veículos elétricos e de geração eólica, setores vitais na redução de emissões globais.

Especialistas apontam que projetos como o de Lagoa Santa podem servir de modelo para outras regiões, combinando investimento público e engajamento de empresas nacionais. A formação de mão de obra especializada também deve acelerar o surgimento de novos polos industriais.

No contexto de uma economia cada vez mais orientada para a sustentabilidade, iniciativas como essas mostram que o Brasil reúne condições de criar uma cadeia de valor completa — da mineração à manufatura final. Essa transformação não acontecerá da noite para o dia, mas já começou a ganhar ritmo e reconhecimento internacional.

Ao alinhar estratégia, inovação e ambiente regulatório, o país tem a oportunidade de deixar de ser apenas um território promissor e se consolidar como protagonista global no mercado de terras raras.

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