Ministério da Igualdade Racial repudia morte de trabalhador que foi confundido com criminoso em São Paulo

Ministério da Igualdade Racial repudia morte de trabalhador que foi confundido com criminoso em São Paulo

Um homem negro de 26 anos foi morto por engano por um policial militar após sair do trabalho. Guilherme Dias Santos Ferreira sofreu um tiro na cabeça quando chegava em um ponto de ônibus, na mochila carregava talheres, uma marmita, um livro e a roupa do trabalho. Além de trazer à tona uma discussão antiga sobre o racismo sistêmico no Brasil, a morte de um jovem preto e trabalhador trouxe indignação e uma resposta do Ministério da Igualdade Racial.

O crime e a “confusão”

O PM Fábio Anderson Pereira de Almeida foi preso em flagrante na última sexta-feira, dia 4, após matar Guilherme, mas foi solto mediante o pagamento de uma fiança de R$ 6.500. Ele responde em liberdade por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). De acordo com a versão da polícia Guilherme teria sido confundido com um envolvido em um crime a mão armada perto da região onde foi morto.

Guilherme tinha deixado o local onde trabalhava e pretendia pegar um ônibus para voltar pra casa quando foi atingido na cabeça pelas costas. E ainda, com base nas investigações da Polícia Civil: “Guilherme não seria um dos criminosos e se aproximava com relativa pressa para se dirigir ao ponto de ônibus, situado cerca de 50 metros do local onde foi atingido”.

A esposa da vítima falou com o G1

Em entrevista dada ao G1 a esposa da vítima disse que o esposo era um “Homem de Deus” e que estava tentando tirar carteira de motorista para conseguir um emprego melhor. Na reportagem, compartilhou foto do “status” do WhatsApp, em que o jovem postou o momento em que saía do trabalho com a frase: “Dia concluído”.

 A jovem ainda muito abalada com o crime criticou a fiança concedida ao policial e o fato de o marido ter sido baleado por ser o único negro no ponto de ônibus:

“Só porque é um jovem negro, preto e estava correndo para pegar o ônibus, [ele] atirou. O que é isso? Que mundo é esse? Era o único jovem preto que estava no meio [do ponto] e foi atingido. A gente quer esse policial na cadeia, ele tem que pagar. Está solto, pagou a fiança que, para ele, não é nada”, disse a jovem.

Ministério da Igualdade Racial reage.

O Ministério da Igualdade Racial repudiou a morte do jovem de 26 anos. O órgão em nota afirmou: “Nada justifica uma abordagem com um tiro na cabeça” e ainda de acordo com o órgão, é frequente que pessoas negras tenham objetos de sua posse confundidos com armas quando na verdade são guarda chuvas ou talheres. A ministra da Igualdade Racial declarou: “É lamentável e dilacerante chorarmos a morte de mais um jovem inocente. O racismo institucional persiste em ‘confundir’ corpos negros. É urgente que essa realidade mude”.

Em nota também, o ministério, ressaltou a importância de políticas públicas que combatam casos como o de Guilherme e que instaurem uma educação antirracista:

“No campo da prevenção e fortalecimento de uma atividade institucional adequada a práticas antirracistas, realizamos cursos que qualificam a atuação policial por meio de formação e destacamos a diretriz do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o uso das câmeras corporais, bem como produzimos, em parceria com a Advocacia-Geral da União, o site JurisRacial, que facilita o acesso à legislação antirracista e seu histórico”, afirmou.

Racismo sistêmico e institucional no Brasil?

Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Uma reportagem da Folha de S. Paulo mostra pesquisa que investigou centenas de inquéritos policiais no estado e apontou que a maioria dos civis mortos são homens negros e muitos desses casos acabam sem denúncia. E ainda constatou que houve chamada para prestação de socorro em 8 de cada dez casos, contudo também indica que pode ser usado em certas circunstâncias para alterar a cena do crime, o que dificultaria as investigações.

A pesquisa do Mapas da (In)Justiça, do Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP, publicada em maio desse ano encontramos dados que apontam que em 859 inquéritos policiais, de 2018 a 2024, em São Paulo, em ações que deixaram 946 civis mortos com 62% deles negros, nenhum agente envolvido foi denunciado pelo Ministério público.

O debate público

Recentemente, antes do caso de Guilherme, outro jovem foi morto na comunidade do Santo Amaro no Rio de Janeiro, Herus Guimarães Mendes, de 24 anos, trabalhava como office boy em uma imobiliária e foi baleado durante uma festa junina. A PM disse que precisou fazer uma operação de emergência, no comunicado da época, afirmou que o Bope realizou: “uma ação emergencial para checar informações sobre a presença de diversos criminosos fortemente armados reunidos na comunidade”, afirmou. Mas a operação terminou sem criminosos presos, um civil morto e cinco feridos.

Casos como esses reverberam no debate público e remexem com as emoções da população. A indignação tanto de familiares, cidadãos comuns e movimentos sociais com a reincidência de mortes por Policiais Militares no Brasil demonstra um processo antigo que se situa em meio a uma crise da segurança pública no país e de um questionamento pela população negra (pretos e pardos) sobre a violência policial dentro das comunidades.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Lagoa News

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Davi Tufic Barreto - Lagoa News

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