Poda de Árvores e Impacto nas Garças em Lagoa Santa

Poda de Árvores e Impacto nas Garças em Lagoa Santa

O Impacto da Poda na Orla da Lagoa Central

No início de fevereiro, a Prefeitura de Lagoa Santa realizou a poda de diversas árvores na orla da Lagoa Central, ação que gerou grande repercussão. Essa intervenção afetou centenas de garças, que costumam fazer seus ninhos na região durante o período reprodutivo. Além disso, a queda dos galhos comprometeu diversos ninhos e filhotes, causando indignação entre os moradores e especialistas em meio ambiente.

A situação despertou uma forte reação na cidade. Como consequência, os servidores responsáveis pela decisão da poda foram afastados de suas funções. A medida foi tomada para apurar as circunstâncias da ação e avaliar quais impactos poderiam ter sido evitados com um planejamento mais adequado.

O Impacto da Poda na Orla da Lagoa Central
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

A Garça-Vaqueira e Sua Expansão no Brasil

Entre as espécies afetadas pela poda, a garça-vaqueira foi a mais atingida. Embora esteja amplamente distribuída no Brasil, essa ave não é nativa do país. Seu primeiro registro em território brasileiro ocorreu na Ilha de Marajó, no Pará, na década de 1960. Acredita-se que tenha atravessado o Atlântico vinda do norte da África, em busca de novos habitats propícios à sua alimentação.

Essa espécie recebeu o nome de garça-vaqueira porque possui hábitos alimentares diretamente relacionados à presença de grandes herbívoros, como búfalos, cavalos e vacas. Ao acompanhar rebanhos, ela se alimenta de insetos como carrapatos e moscas, que se concentram ao redor desses animais. Isso explica sua rápida adaptação a regiões de pastagem no Brasil, onde encontrou um ambiente favorável para sua sobrevivência.

Período Reprodutivo e Formação de Colônias

Com o crescimento da população da garça-vaqueira, essa espécie passou a ocupar diferentes biomas brasileiros, especialmente áreas alagadas e regiões de pasto. De acordo com especialistas em ecologia, essas aves se adaptaram ao país devido à expansão da pecuária, encontrando alimento em abundância.

O período reprodutivo da garça ocorre entre dezembro e março, época em que elas formam colônias e constroem seus ninhos no topo das árvores. Essas colônias costumam se estabelecer em regiões próximas a fontes de água, proporcionando um ambiente ideal para a alimentação das aves.

Durante essa fase, as garças se alimentam de moluscos, pequenos répteis, anfíbios e crustáceos, além de roedores e pequenos pássaros. Esse comportamento influencia diretamente o equilíbrio ecológico, pois auxilia no controle populacional de diversas espécies.

Questões Sanitárias e o Debate Sobre Controle

A presença das garças em áreas urbanas, especialmente em Lagoa Santa, levanta preocupações sobre saúde pública e questões sanitárias. Como essas aves se reúnem em grandes colônias, a concentração de fezes nos locais onde habitam pode gerar problemas ambientais e de saúde.

A veterinária Maria Lia Guedes, conselheira do Subcomitê Carste, ressalta que as fezes das aves possuem alta concentração de amônia, o que pode prejudicar a saúde respiratória dos moradores da região. Além disso, ela alerta sobre o risco de transmissão de doenças como salmonelose, histoplasmose e gripe aviária, que podem ser transmitidas pelo contato com fezes contaminadas.

Devido a esses fatores, especialistas defendem que a população dessa espécie deve ser controlada, especialmente por não ser nativa do Brasil. No entanto, a forma como esse controle deve ser realizado ainda gera intensos debates entre biólogos, ambientalistas e autoridades.

Manejo e Métodos Sustentáveis para Controle

O controle populacional da garça-vaqueira já ocorre em algumas regiões do Brasil. Em Fernando de Noronha, por exemplo, a administração do arquipélago utiliza técnicas como a introdução de gaviões e o uso de canhões de rede para limitar o crescimento da população dessas aves. Esse método segue protocolos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e tem o objetivo de reduzir impactos ambientais sem comprometer o equilíbrio da fauna local.

Contudo, o biólogo Marcos Rodrigues acredita que o manejo dessas aves deve ser feito de forma cautelosa. Ele explica que a chegada da garça-vaqueira ao Brasil foi um movimento natural, sem interferência humana. Portanto, considera que a melhor solução não seria a eliminação da espécie, mas sim a adoção de estratégias de convivência e preservação.

Entre as possíveis soluções, ele sugere:

  • Adoção de práticas de higienização periódica nas áreas urbanas onde essas aves se concentram, reduzindo os impactos sanitários.
  • Revisão do cronograma de poda das árvores, evitando intervenções durante o período reprodutivo das garças.
  • Monitoramento ambiental contínuo, garantindo que qualquer ação seja planejada e conduzida com responsabilidade.

A Biodiversidade do Carste e o Papel das Aves no Ecossistema

A região do Carste, onde Lagoa Santa está localizada, abriga uma das maiores biodiversidades de Minas Gerais. Esse ecossistema possui uma grande variedade de aves migratórias e residentes, que desempenham funções essenciais para o equilíbrio ambiental.

O professor José Eugênio Figueira, da UFMG, é um dos responsáveis pelo projeto Rede Asas do Carste, que estuda a relação entre as aves e o meio ambiente da região. Ele explica que a movimentação das aves auxilia na dispersão de sementes, ajudando a recompor a vegetação de áreas degradadas.

Além disso, espécies como as garças e os biguás contribuem para o controle populacional de pequenos animais, ajudando a manter o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos. Devido a esse papel fundamental, qualquer ação que interfira nessas aves deve ser cuidadosamente planejada para evitar impactos negativos na fauna local.

A Importância de Planejamento na Poda de Árvores

Diante da polêmica causada pela poda na orla da Lagoa Central, especialistas e ambientalistas alertam para a necessidade de um planejamento adequado antes da realização de ações que possam afetar a fauna urbana.

O professor José Eugênio Figueira ressalta que, antes de qualquer intervenção, a Prefeitura deveria ter consultado órgãos ambientais competentes, como o ICMBio e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). Ele também destaca que a poda deveria ter ocorrido em períodos do ano em que as aves não estivessem em fase reprodutiva, reduzindo os danos causados à espécie.

Diante da repercussão do caso, a expectativa é que o município adote novas diretrizes para ações ambientais, garantindo que futuras podas sejam realizadas de maneira sustentável e planejada.

Conclusão

A poda das árvores em Lagoa Santa trouxe à tona um debate importante sobre a convivência entre o meio urbano e a fauna silvestre. Embora o controle de espécies exóticas seja uma questão relevante, qualquer ação deve ser realizada de forma responsável e sustentável, garantindo a preservação do equilíbrio ecológico.

A cidade precisa encontrar um meio-termo entre o manejo adequado das garças-vaqueiras e a manutenção da qualidade de vida dos moradores. Com um planejamento eficiente, medidas preventivas e diálogo com especialistas, é possível garantir um ambiente harmonioso para todos, preservando tanto a biodiversidade quanto o bem-estar da população.

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