A capa da revista britânica The Economist desta semana traz o ex-presidente Jair Bolsonaro retratado como um “extremista” e coloca o julgamento que começa no Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 2 de setembro como “uma lição de democracia para os Estados Unidos”. O texto, no entanto, reacende um debate importante: até que ponto a imprensa deve se limitar a informar e quando ela passa a atuar como um ator político?
O poder de moldar narrativas

O jornalismo, em sua essência, tem a função de retratar os fatos de forma clara e completa, ouvindo diferentes lados. Quando abandona essa função, abre espaço para a militância política, algo que tem se tornado frequente em grandes veículos de comunicação.
Esse processo não é novo. A mídia sempre foi uma arma poderosa na formação da opinião pública. Um exemplo clássico é o episódio de “A Guerra dos Mundos”, em 1938, quando a transmissão radiofônica de Orson Welles, que simulava uma invasão alienígena, foi interpretada como real por parte da população. O episódio gerou pânico coletivo e até deslocamento em massa de famílias que acreditaram estar sob ataque. O caso ilustra a força que a mídia tem de influenciar comportamentos sociais.
Hoje, em escala global, essa influência se manifesta de outra forma: a narrativa política. Quando veículos passam a adotar posições explícitas, muitas vezes deixam de lado o compromisso de informar com neutralidade, reforçando desconfianças já crescentes da população.
A queda de credibilidade da grande imprensa
Pesquisas recentes reforçam esse movimento. De acordo com o Edelman Trust Barometer 2024, apenas 37% dos brasileiros afirmam confiar plenamente na mídia tradicional, enquanto o consumo de notícias por canais independentes, como blogs, podcasts e perfis individuais, cresce a cada ano. No cenário global, o fenômeno é parecido: nos Estados Unidos, a confiança na mídia caiu para 32%, segundo levantamento do Gallup.
Esse descrédito abriu espaço para mídias independentes, que se apresentam como alternativas mais próximas da população e menos comprometidas com interesses institucionais ou partidários.
O caso brasileiro e o efeito internacional

O julgamento de Jair Bolsonaro é apontado por The Economist como um “teste da democracia brasileira”. A comparação com Donald Trump nos EUA é explícita: ambos são vistos como símbolos da chamada “febre populista”. O problema é que, ao adotar termos como “Trump dos trópicos” ou “golpe fracassado por incompetência”, a publicação ultrapassa o limite da descrição factual e se coloca como juíza moral dos acontecimentos.
Esse tipo de abordagem levanta uma questão: até que ponto um veículo internacional deve emitir juízo de valor sobre processos ainda em andamento em outro país?
A polêmica da Lei Magnitsky
A repercussão também ganhou contornos internacionais com a aplicação da Lei Magnitsky pelo governo Donald Trump contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Criada em 2012, durante o governo Obama, a legislação permite que os Estados Unidos imponham sanções econômicas e restrições a indivíduos acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos. Inicialmente voltada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, a lei foi ampliada em 2016 para qualquer agente estrangeiro.
No caso de Moraes, Trump o acusou de promover uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro, alegando violações de liberdades democráticas. Com isso, o ministro foi incluído em uma lista que prevê sanções como bloqueio de bens nos EUA e restrição de entrada no país.
Essa decisão reacendeu o debate sobre o papel do STF e sobre os limites da interferência internacional em assuntos internos do Brasil.
O peso da responsabilidade jornalística
Esses episódios, da cobertura internacional do julgamento de Bolsonaro às sanções impostas a Moraes, mostram como a mídia pode se transformar em uma arma política de grande impacto, seja para legitimar processos, seja para deslegitimá-los.
Cabe lembrar que a imprensa não é neutra por natureza, mas deve buscar equilíbrio, apresentar todos os lados e permitir que o leitor forme sua própria opinião. Quando assume a função de militante, abre espaço para desinformação, polarização e desconfiança.
O jornalismo sério deve se guiar pelo princípio da responsabilidade: apurar, contextualizar e informar. Essa é a diferença entre narrar a história e manipular a história.