Taxa das Blusinhas: quem ganha e quem perde com o imposto?

Taxa das Blusinhas: quem ganha e quem perde com o imposto?
Foto: Divulgação

A “taxa das blusinhas” chegou e dividiu opiniões. Implementada em meados de 2024, a alíquota de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50 (cerca de R$ 270) mudou o cenário do e-commerce no Brasil. De um lado, a indústria e o varejo nacional defendem a medida como essencial para uma concorrência justa. Do outro, consumidores e importadores apontam o aumento de custos e a restrição ao acesso a produtos diversificados.

Mais de um ano após sua criação, os efeitos da taxa ainda geram debates acalorados. A medida foi criada com a promessa de proteger a indústria local e aumentar a geração de empregos. No entanto, estudos recentes questionam sua eficácia e apontam consequências não previstas, principalmente para a população de menor renda.

O que a “taxa das blusinhas” mudou na prática?

A Lei n° 14.902/2024 estabeleceu uma alíquota de 20% de Imposto de Importação sobre compras de até US$ 50 feitas em plataformas de e-commerce internacionais, como Shein, Shopee e AliExpress. Antes, essas compras eram isentas do imposto federal, incidindo apenas o ICMS estadual. A mudança gerou um impacto direto e imediato nos preços para o consumidor final.

O impacto nos números

Um estudo da LCA Consultoria Econômica, divulgado mais de um ano após a implementação da taxa, trouxe dados reveladores. As importações de baixo valor registraram uma retração de 43%, mostrando que a medida freou o crescimento acelerado dessas operações.

Durante um debate na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, André Porto, diretor da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), confirmou a queda e destacou que a medida coloca o Brasil “na contramão internacional”.

Apesar da queda expressiva nas importações, a contrapartida esperada — o aquecimento da indústria nacional e a geração de empregos — não se concretizou como o esperado.

A promessa de mais empregos foi cumprida?

Um dos principais argumentos a favor da “taxa das blusinhas” era a proteção da indústria e do varejo nacional contra a “concorrência desleal” dos produtos asiáticos, o que, em tese, preservaria e geraria empregos no Brasil.

Dados do estudo da LCA, no entanto, mostram um cenário diferente. Nos 12 meses seguintes à criação do imposto, o setor industrial e o varejo tiveram um crescimento de apenas 0,9% no emprego. Em comparação, a economia brasileira como um todo avançou 3% no mesmo período.

Eric Brasil, diretor da LCA e responsável pelo estudo, apontou a falta de impacto positivo no emprego como uma das maiores surpresas do levantamento. Ele ressalta que a rigidez das leis trabalhistas e os altos custos de contratação e demissão no país dificultam ajustes rápidos na força de trabalho, mesmo com mudanças no cenário competitivo.

Para a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), a taxa foi crucial. Edmundo Lima, diretor da associação, afirmou em debate na Câmara que o imposto permitiu ao varejo de moda crescer 5,4% e “manter milhões de empregos no Brasil”. Ele argumenta que a carga tributária para lojas brasileiras chega a 90%, enquanto a das importações, mesmo com a taxa, é de cerca de 45%.

Quem paga a conta da nova taxa?

Embora o debate se concentre na indústria, o impacto mais sentido é no bolso do consumidor, especialmente o de menor renda.

O perfil do consumidor de importados

Segundo dados do Plano CDE, citados pela LCA, a grande maioria dos compradores de sites internacionais pertence às classes C, D e E:

  • 68% das compras são feitas por consumidores das classes C e D.
  • 5% são da classe E.

Isso significa que 73% da arrecadação do novo imposto vem diretamente das faixas da população com menor poder de compra. “Qualquer imposto sobre consumo é regressivo. Pesa mais na renda dos mais pobres”, destacou Eric Brasil. O impacto da taxa na renda das famílias mais ricas é inferior a 0,5%, mas ultrapassa 1% para a classe E.

Henrique Lian, diretor da Proteste, reforçou esse ponto ao citar que 42% dos consumidores já desistiram de uma compra internacional por causa do imposto. Para muitos, esses produtos não são apenas “blusinhas”, mas também itens como eletrônicos, cosméticos e ferramentas que, muitas vezes, não possuem similares acessíveis no mercado nacional.

A arrecadação realmente aumentou?

Outro ponto de análise é o impacto da taxa nas contas públicas. O estudo da LCA revelou um resultado praticamente nulo.

A União obteve um acréscimo médio de R$ 265 milhões por mês com o novo imposto, um valor que representa apenas 0,08% da arrecadação federal total. Por outro lado, com a queda de 43% no volume de importações, os estados perderam R$ 258 milhões mensais em arrecadação de ICMS.

No fim das contas, o saldo líquido positivo para os cofres públicos foi de apenas R$ 7 milhões por mês, um valor irrisório diante do impacto gerado para os consumidores e para a própria cadeia logística.

O que o futuro reserva para a “taxa das blusinhas”?

A discussão está longe de terminar. Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 3261/25, de autoria do deputado Kim Kataguiri (União-SP), que propõe a extinção da taxa de 20% e o restabelecimento da isenção para compras de até US$ 50.

Os argumentos se repetem: de um lado, a defesa do consumidor e o alinhamento com práticas internacionais, já que mais de 90 países isentam remessas de baixo valor do imposto de importação. Do outro, a proteção da indústria nacional, que enfrenta o chamado “custo Brasil” com alta carga tributária e burocracia.

Fernando Pimentel, da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), sugeriu uma alternativa: em vez de isentar o produto estrangeiro, criar um sistema de cashback para quem comprar produtos fabricados no Brasil. A ideia busca fortalecer o mercado interno sem onerar o consumidor de forma direta.

O caminho para o equilíbrio

A “taxa das blusinhas” expôs um dilema complexo da economia brasileira: como proteger a indústria nacional sem penalizar os consumidores, especialmente os de baixa renda? Os dados mostram que, até agora, a medida não gerou os empregos prometidos e teve um impacto financeiro significativo para a população mais pobre, com um ganho mínimo para os cofres públicos.

A solução parece não estar em uma simples decisão de taxar ou isentar, mas em uma reforma mais ampla que ataque as raízes do problema, como o “custo Brasil”. Enquanto a indústria local continuar sufocada por uma carga tributária elevada e complexa, medidas protecionistas como a “taxa das blusinhas” podem acabar sendo apenas um paliativo que transfere o custo para o elo mais fraco da corrente: o consumidor.

Acompanhar o debate sobre o PL 3261/25 é fundamental para entender os próximos capítulos dessa história e qual caminho o Brasil escolherá seguir.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Lagoa News

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