Na madrugada de 21 de março de 2025, Mianmar foi atingido por um dos mais devastadores terremotos de sua história recente. Com magnitude de 7,6 na escala Richter, o abalo teve epicentro na região central do país, afetando diretamente as províncias de Mandalay, Sagaing e Magway. Em poucos minutos, casas desabaram, estradas se romperam, hospitais colapsaram e a população foi lançada em uma crise humanitária de grandes proporções.
Até o momento, mais de 1.700 mortes foram confirmadas, com milhares de feridos e centenas de desaparecidos. A tragédia gerou comoção internacional, mobilizou agências humanitárias e reacendeu o debate sobre a vulnerabilidade sísmica da Ásia e os desafios de assistência em regimes autoritários. Em Mianmar, a dor causada pela natureza se soma a anos de instabilidade política e isolamento diplomático.
Este terremoto não foi apenas um desastre natural. Ele revelou as fragilidades estruturais de um país em crise, a força das redes de solidariedade e a urgência de repensar políticas de prevenção e resposta humanitária em contextos de conflito.
A dimensão da tragédia

O epicentro do terremoto foi registrado a cerca de 35 km de profundidade, próximo à cidade de Myingyan, na região de Mandalay. Por ocorrer em uma área densamente povoada, o tremor teve efeitos catastróficos. Prédios desabaram, pontes ruíram, redes de energia foram interrompidas e o abastecimento de água foi comprometido em várias cidades.
Os hospitais, já fragilizados pela falta de insumos e estrutura, foram rapidamente sobrecarregados. Pacientes foram atendidos em tendas improvisadas, e muitos procedimentos tiveram que ser realizados à luz de lanternas. As operações de resgate foram dificultadas pela destruição de estradas e pela falta de equipamentos adequados. Muitas áreas rurais continuam isoladas até o momento.
Vítimas e danos materiais
Além das mais de 1.700 mortes confirmadas, estima-se que o número de feridos ultrapasse 10 mil. Cerca de 200 mil pessoas estão desabrigadas, vivendo em abrigos temporários, campos improvisados ou nas ruas. Escolas, templos, mercados e estações de transporte foram danificados ou destruídos. A cidade de Meiktila, próxima ao epicentro, foi uma das mais afetadas.
O governo de Mianmar decretou estado de calamidade nacional e solicitou apoio internacional. Ainda assim, a resposta tem sido lenta e limitada, em grande parte devido ao isolamento político do país desde o golpe militar de 2021. Organizações como a Cruz Vermelha Internacional e a ONU enfrentam dificuldades logísticas e diplomáticas para atuar com liberdade e segurança.
A instabilidade política de Mianmar
Desde o golpe de fevereiro de 2021, quando os militares derrubaram o governo democraticamente eleito de Aung San Suu Kyi, Mianmar mergulhou em uma crise política, social e econômica sem precedentes. Protestos populares foram duramente reprimidos, a imprensa foi censurada, e o país passou a ser governado por uma junta militar com pouca legitimidade internacional.
Essa instabilidade dificultou a implementação de políticas públicas eficazes, reduziu investimentos em infraestrutura e isolou o país de iniciativas multilaterais de cooperação. O terremoto encontrou um Estado frágil, desorganizado e com baixa capacidade de resposta rápida, agravando ainda mais os impactos da tragédia natural.
A dificuldade de resposta humanitária
Organizações humanitárias enfrentam grandes barreiras para atuar em Mianmar. A presença militar nas áreas afetadas restringe o acesso de ONGs, e muitos voluntários locais têm medo de atuar por represália. Em algumas regiões, a ajuda internacional precisa ser mediada por órgãos controlados pelos militares, o que compromete a transparência e a eficácia.
A ONU, por meio do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), conseguiu estabelecer corredores de ajuda em parceria com países vizinhos, como Tailândia e Índia. No entanto, o volume de ajuda ainda é insuficiente frente à dimensão da crise. Faltam barracas, alimentos, kits de higiene, medicamentos e equipamentos de proteção.
A solidariedade internacional

Apesar das dificuldades, a tragédia em Mianmar gerou uma onda de solidariedade internacional. Países como Japão, Austrália, Bangladesh, Noruega e Brasil anunciaram o envio de ajuda humanitária, incluindo mantimentos, equipes médicas e especialistas em resgate. A ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) também mobilizou recursos emergenciais.
O Papa Francisco, em pronunciamento no Vaticano, pediu à comunidade internacional que “não feche os olhos diante da dor do povo de Mianmar” e incentivou doações para agências humanitárias que atuam na região. Campanhas em redes sociais foram lançadas por organizações como a Anistia Internacional, Médicos Sem Fronteiras e UNICEF.
O papel das redes locais de apoio
Em meio ao caos, cidadãos comuns formaram redes espontâneas de solidariedade. Monges budistas, estudantes universitários, comerciantes e líderes comunitários organizam abrigos, cozinhas coletivas e centros de doações. Apesar da repressão política, a sociedade civil tem demonstrado resiliência e capacidade de organização.
Essas redes são essenciais para alcançar regiões que ainda não foram atendidas pelo governo ou pelas ONGs internacionais. A confiança local facilita a distribuição de mantimentos e o acolhimento das famílias afetadas. No entanto, os voluntários também correm riscos, pois muitas dessas ações são vistas pelas autoridades como “não autorizadas”.
O risco de epidemias e o trauma coletivo
Com a destruição das redes de saneamento básico e o acúmulo de corpos em algumas áreas, especialistas alertam para o risco de surtos de doenças como cólera, dengue, leptospirose e infecções respiratórias. O acesso à água potável é um dos principais desafios nos acampamentos improvisados.
Além dos riscos físicos, o trauma emocional também preocupa. Crianças e adolescentes apresentam sintomas de estresse pós-traumático, medo constante e insônia. Equipes de psicólogos locais tentam oferecer acolhimento, mas a demanda é muito superior à capacidade de atendimento. A dor da perda de entes queridos e do desabamento de casas e sonhos permanece viva em cada relato.
A posição do Brasil
O governo brasileiro, por meio do Itamaraty e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), anunciou o envio de ajuda humanitária a Mianmar, incluindo kits de primeiros socorros, barracas, cobertores e alimentos desidratados. A operação é coordenada com apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), que fará o transporte da carga até Bangkok, de onde será encaminhada por via terrestre.
Em nota oficial, o Brasil reafirmou seu compromisso com a solidariedade internacional e destacou a importância de respeitar os direitos humanos em todas as etapas da resposta humanitária. A ação também contou com apoio de organizações da sociedade civil, como a Cáritas Brasileira e o Instituto Brasil Solidário.
O papel da imprensa internacional
A cobertura jornalística sobre o terremoto tem sido essencial para mobilizar apoio e pressionar por respostas mais rápidas. Canais como BBC, Al Jazeera, CNN e Reuters mantêm correspondentes na região, mesmo com dificuldades de acesso. Relatórios de campo, imagens de destruição e depoimentos de sobreviventes têm sensibilizado o mundo.
A mídia também tem denunciado a falta de transparência do governo de Mianmar, que controla as informações oficiais e limita a circulação de jornalistas independentes. A luta por dados confiáveis e pelo direito à informação torna-se parte central da resposta à crise.
O futuro da reconstrução
Passada a fase emergencial, Mianmar terá que enfrentar um enorme desafio: reconstruir suas cidades, recuperar sua infraestrutura e cuidar das milhares de pessoas traumatizadas e deslocadas. A tarefa será ainda mais difícil diante da crise política, do bloqueio diplomático e da ausência de uma política pública robusta de prevenção de desastres.
Especialistas em gestão de riscos alertam que o país precisa rever urgentemente seus padrões de construção civil, fortalecer sistemas de alerta precoce e investir em educação para desastres. A reconstrução deve ser feita de forma participativa, transparente e com apoio internacional supervisionado.
Caminhos para a solidariedade global
O terremoto em Mianmar é mais do que uma tragédia local — é um alerta global. Ele nos lembra que, em um mundo cada vez mais instável, a solidariedade internacional não pode ser seletiva. Os direitos humanos, o acolhimento às vítimas e o suporte à reconstrução devem estar acima das disputas geopolíticas e das diferenças ideológicas.
Seja com doações, campanhas, cobertura jornalística ou pressão diplomática, o mundo precisa olhar para Mianmar com empatia e responsabilidade. Diante da dor e da perda, é o cuidado coletivo que reergue pontes — não apenas físicas, mas também humanas.