Aumento do preço do cacau: impactos na Páscoa e os desafios da produção mundial

Aumento do preço do cacau: impactos na Páscoa e os desafios da produção mundial

O cacau, matéria-prima essencial para a produção de chocolates, atingiu em março de 2025 o maior valor da história no mercado internacional. A cotação da tonelada do grão superou os US$ 10.000, com alta de mais de 200% em apenas 12 meses. O aumento abrupto preocupa fabricantes, comerciantes e consumidores, sobretudo às vésperas da Páscoa, período de maior demanda global por produtos à base de chocolate.

A escalada de preços é resultado de uma combinação de fatores: queda de produção nos maiores países exportadores, impactos climáticos severos, doenças nas plantações e especulação financeira. No Brasil, mesmo com produção interna, a indústria já prevê reajustes nos preços dos ovos de Páscoa, bombons e barras. Além disso, o cenário global traz à tona discussões sobre segurança alimentar, justiça econômica e a necessidade de diversificação na cadeia do cacau.

O que está por trás da alta histórica do cacau?

alta histórica do cacau
Imagem: Divulgação

A crise no setor cacaueiro é causada principalmente por problemas enfrentados na África Ocidental, onde estão os dois maiores produtores mundiais: Costa do Marfim e Gana. Juntos, os dois países são responsáveis por cerca de 60% do cacau consumido no mundo. Em 2024 e 2025, ambos registraram colheitas muito abaixo da média devido a:

  • Chuvas irregulares que afetaram o florescimento e o crescimento das amêndoas;
  • Doenças fúngicas, como a vassoura-de-bruxa e a podridão-parda, que atacaram os cacaueiros;
  • Falta de insumos agrícolas, agravada pela inflação e pela instabilidade cambial;
  • Êxodo rural e queda da força de trabalho agrícola.

A escassez de oferta criou um efeito dominó no mercado global. Os estoques internacionais caíram a níveis mínimos, e os investidores passaram a especular sobre novos aumentos, pressionando ainda mais os preços.

O impacto direto na Páscoa

A Páscoa representa cerca de 30% do faturamento anual da indústria do chocolate no Brasil. Em 2024, o setor já havia registrado reajustes médios de 15% nos produtos. Para 2025, a expectativa é de aumentos entre 20% e 30%, dependendo da marca, da linha de produto e da embalagem.

Grandes fabricantes como Nestlé, Lacta e Garoto anunciaram que repassarão parte do aumento aos lojistas. Pequenos produtores artesanais, que já enfrentam dificuldades com embalagens e logística, também relatam dificuldade em manter os preços praticados nos anos anteriores. Para o consumidor, o resultado é menos chocolate no carrinho e maior seletividade na hora da compra.

A indústria brasileira do cacau

O Brasil é atualmente o 7º maior produtor mundial de cacau, com destaque para os estados da Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia. A produção nacional gira em torno de 250 mil toneladas por ano — volume suficiente para abastecer boa parte da indústria interna, mas ainda insuficiente para garantir autossuficiência plena, especialmente diante do aumento da demanda.

A retomada da cacauicultura brasileira nas últimas décadas foi marcada por investimentos em tecnologia, sustentabilidade e recuperação de áreas degradadas. No entanto, os desafios persistem: baixo preço pago ao produtor, doenças recorrentes, envelhecimento das lavouras e dificuldades de acesso ao crédito rural.

O cacau de origem e o mercado de valor agregado

Apesar das dificuldades, cresce no Brasil o mercado de chocolates bean to bar (do grão à barra) e de origem controlada. Marcas como Dengo, Amma, Mission e Luisa Abram apostam em cacau de qualidade superior, com cultivo sustentável e comércio justo. O consumidor que busca rastreabilidade, sabor intenso e apoio a comunidades locais tem impulsionado esse nicho.

No entanto, esse mercado ainda representa uma pequena fatia do consumo nacional. A maioria das pessoas compra chocolate industrializado, produzido com blends de cacau de diferentes origens e alto teor de açúcar. O desafio é equilibrar qualidade, preço acessível e remuneração justa ao produtor em um mercado cada vez mais competitivo.

Os reflexos na cadeia produtiva

O aumento do preço do cacau afeta toda a cadeia: do agricultor ao consumidor. Para os produtores, o preço alto pode representar oportunidade de lucro maior — desde que não haja travas de contrato fixo ou gargalos logísticos. Para a indústria, o custo da matéria-prima pressiona a rentabilidade, especialmente em produtos de alto giro e baixa margem.

No varejo, a resposta costuma ser o redimensionamento das embalagens, promoções direcionadas e mudança de posicionamento. Já no atacado, muitos compradores antecipam pedidos, formam estoques ou renegociam prazos. O transporte, o armazenamento e o financiamento da safra também são impactados.

Os efeitos nas importações e exportações brasileiras

efeitos nas importações e exportações do cacau
Imagem: Divulgação

Com o aumento do preço internacional, o Brasil tende a exportar mais cacau em grão, buscando aproveitar a alta lucratividade. Em contrapartida, o país terá que importar mais chocolate pronto e derivados para suprir o mercado interno. Essa balança pode afetar o consumo de produtos nacionais e pressionar o câmbio no setor alimentício.

A Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) alerta para a necessidade de políticas públicas que incentivem o aumento da produção nacional, com foco na agregação de valor. A importação de produtos com maior valor agregado pode comprometer a indústria local e ampliar a dependência externa.

O papel das mudanças climáticas

Especialistas apontam que o aquecimento global é um dos principais responsáveis pela crise atual do cacau. As plantações são extremamente sensíveis à temperatura, à umidade e ao regime de chuvas. Com eventos climáticos cada vez mais extremos — como secas prolongadas ou chuvas torrenciais —, o cultivo se torna imprevisível.

Estudos indicam que, se nada for feito, áreas tradicionalmente produtoras de cacau poderão se tornar inviáveis até 2050. Isso exigirá a migração do cultivo para regiões mais altas, investimentos em pesquisa genética e novas práticas de agroecologia. O cacau, que já foi símbolo de riqueza, pode se tornar artigo de luxo em um futuro próximo.

Iniciativas globais e comércio justo

Para enfrentar os desafios do setor, surgem iniciativas de comércio justo e certificações como Rainforest Alliance, Fair Trade e UTZ Certified. Essas organizações garantem melhores condições de trabalho, preservação ambiental e remuneração justa para os agricultores.

Empresas que aderem a essas práticas fortalecem suas marcas junto ao público consciente, mas enfrentam custos mais elevados. O desafio é combinar escala, sustentabilidade e preço competitivo. No Brasil, o incentivo à produção orgânica e ao cooperativismo também tem ganhado força como alternativa de fortalecimento do setor.

O impacto psicológico e cultural

O chocolate não é apenas um alimento — ele faz parte da cultura, da memória afetiva e da economia emocional das famílias. Na Páscoa, representa reencontro, afeto e tradição. O encarecimento dos produtos mexe também com as emoções: pais que não conseguem comprar ovos para os filhos, consumidores que se veem excluídos do mercado e comerciantes que perdem vendas.

A simbologia do chocolate na cultura ocidental, especialmente em datas comemorativas, reforça a importância de garantir acesso a produtos de qualidade a preços justos. Programas sociais, doações comunitárias e ações voluntárias tentam preencher essa lacuna, especialmente em comunidades carentes.

Oportunidades para o Brasil

Apesar das dificuldades, o cenário atual pode representar uma oportunidade para o Brasil assumir protagonismo no mercado global de cacau. Com clima favorável, biodiversidade única e tradição na produção agrícola, o país tem potencial para aumentar sua participação de forma sustentável.

Para isso, será necessário investir em assistência técnica, pesquisa, formação de mão de obra, infraestrutura e linhas de crédito específicas. A ampliação do uso de tecnologias como irrigação inteligente, drones e mapeamento genético pode revolucionar a produtividade sem comprometer o meio ambiente.

Caminhos para o futuro

O aumento do preço do cacau é um alerta. Ele mostra como o sistema agroalimentar global é vulnerável a choques externos e mudanças climáticas. Mostra também que não basta produzir — é preciso planejar, diversificar, respeitar o meio ambiente e garantir justiça para todos os elos da cadeia.

Consumidores conscientes, políticas públicas inteligentes e compromissos empresariais reais são os pilares de um setor mais forte, sustentável e resiliente. O chocolate pode continuar sendo símbolo de prazer e afeto — desde que não esconda, por trás de sua doçura, um sistema amargo de exploração e desequilíbrio.

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